Sob um sol de 34 graus, os estudantes perfilam-se na quadra da escola Ivete Oliveira, em Serrinha. Ao sinal do policial militar que comanda os alunos tal qual uma tropa, batem continência e cantam à capela o hino nacional. A escola é uma das 83 unidades de ensino fundamental da Bahia que adotaram o modelo militarizado, em uma parceira das prefeituras com a Polícia Militar da Bahia, comandada pelo governador Rui Costa (PT).
A iniciativa é anterior ao projeto de escolas cívico-militares da gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que prevê a construção de 216 escolas militares no país até 2023. O modelo adotado na Bahia, que tem pontos de semelhança com a proposta do governo federal, começou a ser adotado em 2018, de forma experimental, em quatro escolas. Ganhou escala durante o ano letivo de 2019, chegando a 18% dos municípios baianos.
A parceria prevê a contratação de policiais da reserva ou reformados, com salários entre R$ 2.000 e R$ 3.000, para cuidar da parte disciplinar da escola. A administração da escola e o projeto pedagógico permanecem sob a alçada dos professores. Cabe aos policiais promover atividades cívicas, fiscalizar a circulação de estudantes fora das salas no horário de aula e garantir o bom comportamento dos alunos.
“Trabalhamos exclusivamente com a parte disciplinar. A ideia é fazer com que os alunos cumpram os horários e respeitem os professores, resgatando valores que com o tempo foram sendo deixados de lado nas escolas”, afirma o gestor do projeto das escolas militarizadas, tenente-coronel Ricardo Albuquerque. Além da disciplina, os policiais ainda monitoram padronização estética dos estudantes: todos devem estar de uniforme limpo, sapatos fechados e camisas por dentro da calça.
Os meninos devem cortar o cabelo com máquina número dois nas laterais e número três na parte superior. As meninas devem usar maquiagem discreta e penteado com coque se o cabelo for abaixo dos ombros. É proibido o uso de acessórios como correntes e brincos que ultrapassem o lóbulo da orelha.
Em Serrinha, cidade do sertão baiano, duas escolas municipais adotaram o modelo militarizado. Na escola Ivete Oliveira, com 578 alunos, o sistema começou em agosto deste ano. Desde então, 18 estudantes pediram para trocar de escola por não terem se adaptado ao novo modelo.
Por outro lado, houve um aumento na procura para matrículas para 2020. Mãe de duas crianças que estão no ensino fundamental, Erivânia Cardoso, 38, é uma das que foi até a escola Ivete Oliveira em busca de vagas para os filhos. Ela atualmente gasta R$ 300 por mês com uma escola particular. Mas diz que, com a adoção do modelo militarizado, prefere matricular seus filhos na escola municipal: “Me sinto mais segura com eles aqui”.
A escola Ivete Oliveira fica em uma confluência entre três bairros com histórico de violência e rivalidades em Serrinha. Possui um Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2,4 nos anos finais do ensino fundamental —a média nacional de 4,7. Por esses motivos, foi uma das primeiras a ser escolhida no projeto de escolas militarizadas.
“Tínhamos alunos que vendiam droga dentro da escola. Hoje isso já não existe mais”, afirma a diretora da escola Roseli Mascarenhas. Ela ainda diz que a preocupação com a disciplina além dos muros da escola: “Se tiver um brigando na rua, vestindo nossa farda, vamos atrás”.
Aluno do 9º ano do ensino fundamental, Eric Santos Pereira, 17, se descreve como um aluno “brincalhão e perturbado”. E diz que as mudanças no perfilo da escola o ajudaram a ter mais seriedade com os estudos: “Chega uma fase da vida que a gente tem que mudar de postura”.
Outros alunos, que preferiram falar em privado, criticaram o novo modelo por impor uma série de regras e restrições no dia a dia dos alunos, o que inclui até limitações para ir ao banheiro no horário das aulas. Segundo o prefeito de Serrinha, Adriano Lima (PP), cada escola militarizada resulta em um incremento de R$ 9.500 no gasto mensal da prefeitura, dinheiro usado para pagar os salários dos policiais reformados.
Por outro lado, ele afirma que reduziu os gastos com a manutenção das escolas. “A depredação é praticamente zero." Apesar de festejado pelos prefeitos e pela Polícia Militar, o modelo militarizado é alvo de questionamentos de educadores e do MPF (Ministério Público Federal).
A Anfope (Associação Nacional pela Formação de Professores da Educação) afirmou em nota que “não é função dos aparelhos de segurança pública envolverem-se em assuntos que não são de sua alçada e cujo planejamento requer domínio sobre Plano Nacional de Educação”.
Já o MPF enviou uma recomendação às prefeituras na qual afirma que as escolas não podem restringir a liberdade de expressão, a intimidade ou violar a vida privada de seus alunos. E afirma que as escolas militarizadas têm ido de encontro a garantias constitucionais ao impor padrões estéticos aos estudantes, controlar o que eles publicam em redes sociais e proibir participação dos alunos em manifestações políticas ou reivindicatórias.
Gestor do projeto das escolas, o tenente-coronel Ricardo Albuquerque afirma que não há restrição às liberdades individuais e que o modelo disciplinar é adotado com autorização dos pais dos alunos. E defende o sucesso do modelo, apontando para uma ampliação em 2020 —já são pelo menos 30 pedidos de instalação escolas militarizadas em cidades do interior baiano.
Apesar de apoiar a parceria, o governo da Bahia não prevê a replicação do modelo em escolas estaduais e, por isso, não aderiu ao projeto de implantação de escolas cívico-militares proposto pelo presidente Jair Bolsonaro.
Pra o governador Rui Costa (PT), o governo federal não deixou claro quais seriam os termos da adesão ao programa. “Se o Governo Federal quiser, montar uma escola militar ou mandar recursos para reformar escolas, eu estou aceitando. Mas só participar de marketing não dá." A rede estadual da Bahia possui atualmente 1.161 escolas, sendo 15 delas são geridas pela Polícia Militar.